![]() |
Foto: Fabrício Amorim |
O médico
recomendou à dona Elizabeth caminhar frequentemente para melhorar a saúde. Que
boa oportunidade para sair com Francisco e Josephine, retirando a
responsabilidade de Maria, que além das obrigações na casa tinha que passear
com ‘Chico’ e ‘Phine’. Mas não os chame pelo apelido. Dona Elizabeth acredita
que invocá-los desta maneira pode alterar o comportamento do lhasa apso e da yorkshire.
Depois de um mês
de atividade diárias, Elizabeth já se sentia diferente. Sair bem cedo para
caminhar na praça bem próxima de sua casa em um bairro nobre da capital paulista junto com seus amigos tornou-se uma
rotina divertida. Entretanto, ficou chocada numa bela manhã de sol ao perceber que a sola de seu sapato estava suja por causa de fezes humanas. Para o excremento de seus cães não ligava muito, se fazia de despercebida, quase não via o cachorro agachado. É um animal, ora. Agora, a mesma atitude vinda de um ser humano era diferente, totalmente desrespeitoso, verdadeiro insulto, e aquilo a incomodava demais. Com isso, iniciou diálogos calorosos com os vizinhos, carregados de revolta. A balbúrdia logo juntou meia dúzia de pessoas e a solução não tardou: resolveram colocaram placas de avisos próximas aos pontos asquerosos:
“não faça cocô, respeite as crianças. Obs. Você está sendo filmado”.
A câmera era um blefe. O aviso, contundente.
A câmera era um blefe. O aviso, contundente.
Na saída da
praça, dona Elizabeth cumprimentou o segurança que, junto a outros colegas, faz
o monitoramento 24 horas da rua – que tem menos de 1 quilômetro de
extensão. Trajados de roupa social, terno e gravata, capacete e moto, os
profissionais comunicam-se diretamente com a base em caso de alguma atitude suspeita
ou crime. O pior turno é o noturno. Apesar de nenhuma ocorrência nas
proximidades, os moradores sempre intensificam os apelos por cautela.
Naquela noite, o
trabalho era de Edmílson, que não gosta nem um pouco da tarefa naquele horário.
O segurança tem dificuldade para dormir durante o dia, no barulhento prédio
popular em que vive no bairro do Jardim São Luís. Fora que, jantar antes do trabalho era
um dilema: seu recente problema no intestino estava pregando verdadeiras peças de terror na
noite fria. Não há um único banheiro em um raio de quilômetros. Quando isso
ocorre, sempre pensa em milhares de alternativas, mas não pode ausentar-se por
muito tempo: tem que ficar olhando a movimentação da rua silenciosa. Então, a saída encontrada é encostar a moto e escolher o canto mais
escuro da praça para se aliviar.
O mais indicado,
no entanto, seria tocar a campainha da Dona Elizabeth, que geralmente dorme em sono
profundo, protegido por muros enormes, grades eletrificadas, e, por Edmílson. Mas é claro que incomodar a madame com um pedido 'inconveniente' nem passa pela cabeça do segurança. Assim a vida continua, arraigada pelos ditames paradoxos de quem pode mais.