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Manifestantes colocam fogo em
'bonecos' de Collor e Sarney |
As centrais
sindicais saíram às ruas em todos os Estados do país, ontem (11) protestando
por melhorias nos direitos trabalhistas. Segundo estimativas, o “Dia Nacional
de Lutas” registrou 90 mil pessoas em 18 capitais. E o grito das
ruas ampliou sua voz e voltou-se contra a grande imprensa. Num ato de menor
porte, cerca de 800 pessoas segundo a Polícia Militar reivindicaram a abertura
de um debate sobre a democratização da mídia (fim do monopólio midiático), rechaçando também a concessão de rádio e televisão a políticos.
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Holograma projetado na Rede Globo
por manifestantes |
O alvo da
insatisfação foi a Rede Globo e a criatividade dos participantes era
demonstrada em cartazes irônicos, bem humorados, que questionavam as recentes
denúncias sobre irregularidade com a Receita Federal, além de xingamentos
jogados ao vento, desnecessários. A sátira com o tema do carnaval “Globeleza”,
também chamou atenção e foi cantada em coro. “Lá vou eu, lá vou eu, hoje a luta
é na avenida. Vou derrubar a Globo, feliz eu to de bem com a vida lá vou eu”.
Outros ecoavam: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”. Um holograma
projetado na parede externa da emissora foi outro ato comemorado por muitos. É
a tecnologia utilizada como arma.
A manifestação
teve início na praça General Gentil Falcão, percorreu a frente da Rede Globo pela
avenida Chucri Zaidan, deu a volta na emissora parando a pista local da
Marginal Pinheiros, onde bonecos dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando
Collor (PTB-AL) foram queimados. A motivação do ato contra os parlamentares tem
explicação: Collor e Sarney são donos de retransmissoras da Rede Globo em seus Estados.
Atualmente, 80 parlamentares são donos de
concessões públicas de rádio e tv, apesar de isso ser vetado pela Constituição pelo artigo 54. Existem diversos projetos pela
democratização e pela restrição das concessões, mas nenhum PL consegue obter sobrevida.
O último foi apresentado na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, pelo
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Briga de
cachorro grande. Mexer com os interesses das sete famílias donas dos principais
grupos de comunicação do país e com interesses políticos não é tarefa fácil.
Porém, também, não é impossível. Que o diga a Argentina. Promulgada em 2009, a Lei de Serviços de
Comunicação Audiovisual, chamada de “Ley de Médios”, rompeu a estrutura
midiática por lá ao criar o Conselho Federal de Comunicação Audiovisual; o
Conselho Assessor da Comunicação Audiovisual e da Infância; e a Defensoria do
Público de Serviços de Comunicação Audiovisual que juntos garantem o direito de
“acesso universal a conteúdos informativos de interesse relevante e de
acontecimentos esportivos”. Entre os 166 artigos da lei, o artigo 45, “limita a
quantidade de concessões a cada empresa atuando para horizontalizar e tornar
mais plural e competitivo o espaço de mídia veiculado em concessões públicas”
Ou seja, de propriedade da sociedade e não de empresas privadas.
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Manifestantes "re-batizam" ponte
Octavio Frias Oliveira. |
No decorrer da
manifestação, ao sair da Marginal Pinheiros em direção à Berrini, um grupo
isolado de manifestantes vestidos de preto que escondiam o rosto,
“re-batizaram” a ponte Otávio Frias de Oliveira (publisher da Folha morto em 2007) intitulando-a de “Jornalista
Vladimir Herzog” (assassinado pela ditadura militar em 1975). O fato foi
comemorado por cerca de 50 pessoas.
Os outros manifestantes já estavam na
Avenida Luiz Carlos Berrini, retornando a praça onde o protesto teve início
duas horas antes. Neste momento encontrei com o jornalista Altamiro Borges,
presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, autor do
livro “A ditadura da Mídia”.
Na conversa com Miro ele me relatou que
considera a legislação argentina na área de comunicação muito progressista e
afirmou que a “Ley de Médios” pode servir como um modelo para iniciar-se uma
discussão profunda no Brasil. “A Ley de Médios é uma legislação muito avançada,
no sentido de quebrar o monopólio midiático, estimular a pluralidade, estimular
a diversidade. Temos que fazer todo um debate em nosso país de como construir
uma mídia mais democrática, e a lei serve de referência, ajuda”, explicou.
No entanto, toda
vez que surgem conversas sobre democratização e restrição, os assuntos
espinhosos que causam calafrios nos barões da mídia vão parar embaixo do
tapete. “É censura”, esbravejam. “Deve
ser o medo de perder o monopólio”, acredita Miro que enxerga a questão de forma
contrária. “A Lei da Argentina garante liberdade de expressão. Ela fala o seguinte, só para dar um exemplo: o espectro da radiodifusão que é concessão
pública estava concentrado em duas famílias. A Lei da argentina diz que 1/3 do
espectro vai ser para movimentos comunitários, para sindicatos, para entidades
de bairros. Isso é o contrário de censura. Isso é garantir liberdade de
expressão. Quem censura hoje são os grandes monopólios. Eles censuram a
sociedade e censuram os próprios jornalistas”, lamentou.
No final do papo
com Miro, já próximo ao desfecho da manifestação, ele destacou a importância do
crescimento no entendimento do tema e na reunião das pessoas pela abertura de
um debate para o reforço democrático que passa pela comunicação. “Eu acho que
esse movimento marca uma reviravolta. Esse tema de democratização da mídia no
Brasil, nesse sentido de entender como ela é concentrada, como ela pode gerar
um processo de manipulação e deformação de comportamentos. Esse tema é um tema
debatido na academia, por alguns sindicatos. Essa manifestação mostra o
seguinte: tem muito mais gente querendo entender desse tema. Tem muito mais
gente percebendo que discutir mídia é discutir democracia no país, então eu
acho essa manifestação histórica”, finalizou.
Ás 21h da noite,
os manifestantes concentraram-se novamente na praça, tocaram instrumentos de
percussão e comemoraram o fato de à Globo ter noticiado a manifestação. “Não
somos invisíveis, a Globo passou nosso movimento ao vivo”, disse um rapaz ao
megafone. Com o início da dispersão do pessoal, encontrei com a porta voz do
Movimento Passe Livre (MPL), Mayara Vivian, que reafirmou o que vem dizendo. A
pauta do MPL é pelo direito à cidade e pelo transporte. No entanto, a estudante
de geografia enfatizou que apóia a luta do movimento. “Aqui tem o pessoal do
teatro, tem o pessoal de mídia, o pessoal de rádio, que tem suas pautas também
e vão aos nossos atos, mas eles que estão tocando essa luta. Essa luta é deles.
A gente sempre se conversa, estamos solidários, assim como a gente sempre
conversa com o MST, com o MTST, com o sindicato dos metroviários. Eu não vou no
trabalho de base dos metroviários, mas a luta deles a gente apóia”.
A conversa entre
esses movimentos ainda deve agitar muito o Brasil. Quem está no inverno, lembre-se:
estes jovens já estão na primavera.