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Avenida Faria Lima, São Paulo (SP) Foto: Fabrício Amorim |
Na primeira hora
da manhã, uma oferta imperdível ocupava quase toda a página. O anúncio oferecia
três quartos, duas suítes, três vagas na garagem. Uma bagatela que proporciona
“conforto” e “alta segurança”. O café desceu bem, acompanhado da leitura do
título da matéria do jornal e das primeiras linhas, que chamaram menos atenção
que o novo empreendimento - tão bem localizado.
No caminho do
trabalho o trânsito mais uma vez estava sufocante. O calor dentro do carro era
insuportável. Tarefa tranquila para o ar condicionado resolver. Com o rádio
ligado, o locutor se esgoelava para abafar a voz de seu companheiro num debate
sem pé nem cabeça sobre o aumento do IPTU na cidade de São Paulo.
Loucura urbana
misturada à indignação desmesurada. Abaixou o volume. Pagar 20% a mais de
imposto incomodava, mas não o suficientemente naquele momento. A insatisfação
era maior com a fila de veículos a sua frente que não se movia. Quase todos os
dias eram assim. Morar a cinco quilômetros do trabalho não aliviava. Pelo
contrário.
A região que foi
definida como a “nova” Avenida Paulista no final dos anos 1970, hoje, possui
uma “densidade empresarial” que torna todos os dias a selva de concreto um ambiente
mais selvagem na “hora do rush”. E há mais espaço para enaltecer o progresso,
mesmo que isto tenha um alto custo diretamente refletido na morosidade diária
do trânsito por conta do transporte individual.
Não teve jeito.
Mais uma vez chegou irritado, com dor de cabeça. Acalmou-se e ligou o computador,
ferramenta inseparável e indispensável. Durante a labuta informava-se através
dos portais, links no Twitter e nas páginas do Facebook, sua rede social
favorita, onde adora repercutir sua indignação com a política. Entre uma curtida
e outra não deixava de notar os anúncios de imóveis colocados perto do lembrete de
aniversários que sempre ganhavam um clique, o que também ocorria no Youtube
antes dos seus vídeos prediletos.
Fim do expediente, sexta-feira.
Hora de relaxar. Mas só até o almoço de sábado no shopping, geralmente lotado.
Até tentou negociar com a mulher e os filhos. Não conseguiu. Bem próximo ao
paraíso do consumo, frequentado toda semana pela família, avistou diversas
meninas agitando bandeiras e fazendo panfletagem de um condomínio que se dizia
inovador, sustentável e que, ainda por cima, era próximo de seu trabalho.
Maravilhoso. Era um “sinal”. Aquilo o encantou e resolveu parar – sob protesto.
Para ele não importava.
Logo soube que o
condomínio Green Castle terá saída para dois lados em um quarteirão, cinco vagas
na garagem, espaço gourmet, brinquedoteca, ampla sala de ginástica, área de
lazer com piscina, piscina coberta olímpica aquecida, quadras de tênis, quadras
de futebol, segurança 24 horas com monitoramento em vídeo, serviços exclusivos,
e muito mais. Um projeto arquitetônico “exclusivo” e “moderno” em uma região
privilegiada da cidade. Fantástico. Tinha somente a desvantagem de o
apartamento ser pequeno – 40 m² ,
dois quartos, dois banheiros, sala, cozinha, área de serviço e varanda. Não era um obstáculo, mas resolveu pensar com calma.
Não podia negar
desde já que se sentia acolhido e realizado, pois pensava há muito tempo em
mudar de bairro, reduzindo distâncias que geravam muito tormento. Nada melhor então,
que morar no novo “coração pulsante” de São Paulo que varre, isola, segrega,
entre uma “batida” e outra para garantir a comodidade e a segurança dos novos moradores. Quem
liga para isso? No final das contas o que importa é a fluidez para realizar as
transformações necessárias ao progresso, seja lá qual for o preço.
Negócio fechado.