sábado, 15 de fevereiro de 2014

Breve genealogia de uma família de bem

Nos casos considerados extremos, o tataravô chicoteava pessoalmente o negro amarrado no poste. Da Casa Grande para o sobrado na cidade, aderiu ao positivismo. “O amor por princípio, a ordem por base, o progresso por fim”. 

O bisavô cresceu em clima de instabilidade política e apoiou a Revolução de 1930. Vargas tinha a solução para colocar o país nos trilhos do futuro como almejava. Portanto, vibrou com o Estado Novo e brindou com champanhe o relacionamento com países amigos que colocavam seus territórios no eixo.

Entre comunistas, fascistas, tiros, bombas e dúvidas, o avô ouviu falar de um mundo em chamas e viu um país repleto de incertezas. Ficou indignado com 50 anos em 5 e decidiu varrer a bandalheira, jogando no lixo a corrupção e a desordem - até se decepcionar. Diante da ameaça que representava o perigo para a nação apoiou o golpe militar.

Dentro da ordem que era estabelecida o pai era alertado para a ação de terroristas que tentavam desestabilizar o Governo. Eles poderiam estar em qualquer lugar e eram impiedosos com seus inimigos. Entretanto, a polícia e os militares faziam seu papel garantindo a tranquilidade da gente de bem. Dormia tranquilo apesar da preocupação com a segurança de seus familiares.

O filho nasceu em um clima político diferente. Ele sente-se com sorte de viver em um país sem racismo, coisa que ficou lá trás. São tempos de democracia, o lamentável mal entendido do passado que ele ainda não compreende. Os problemas atuais são a corrupção, a segurança, e a ditadura que pode voltar. É rapaz, “esse pessoal governista quer implantar o totalitarismo comunista por aqui. Temos que ficar em alerta”.

Quem dera pudesse conversar rapidamente com seu tataravô,  saboreando uma xícara de café vinda direto de sua plantation. Muita coisa pra conversar em tão pouco tempo. Sabe como é, né. Raiz é tudo. 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A liberdade de expressão como salvo conduto para defender a barbarie

Nossa democracia ganha corpo com aperfeiçoamentos para avançar diariamente. Sua juventude demonstra imaturidade e aos poucos se corrige. Na pluralidade de vozes deste crescimento contínuo, a liberdade de expressão, reconhecida como um direito, se transformou em salvo conduto para qualquer asneira que se queira falar.

No Rio de Janeiro, um rapaz negro foi preso a um poste pelo pescoço por um grupo de justiceiros que o acusavam de roubos na área. O que se viu a seguir foi a velha máxima do "bandido bom, é bandido morto", que encontrou voz na mídia através da apresentadora de um telejornal do SBT, reforçando a defesa do discurso do preconceito e do ódio. Não é preciso ir longe para ouvir afirmações típicas: "respeite o pensamento tal", "você que sabe o que é liberdade de expressão, deveria respeitar a dos outros", e por aí vai.

Ora, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo 18º, garante a liberdade de pensamento, consciência, e religião. O artigo 19º assegura a liberdade de expressão e de informação. Voltando um pouco, o artigo 5º testifica a proibição da tortura, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Vale lembrar que estamos num Estado Democrático de Direito, que funda suas bases nos princípios da dignidade humana e cabe ao Estado repreender uma atitude criminosa, dando ao cidadão a oportunidade de responder ao Poder Judiciário, que fundamenta sua decisão através da Lei.

Com comentários conservadores em seus telejornais, o SBT visa melhorar a audiência de uma área que sempre patinou, para  além disso invadir a internet e abastecer discussões polêmicas nas redes sociais em torno de temas espinhosos. São Paulo, Santa Catarina e Paraná têm a linha de frente da emissora composta por comentaristas enérgicos que, antes de tudo tem o direito a liberdade de expressão, mas sem que essa opinião passe do limite estabelecido por lei. 

Alguém pode me responder se posso aqui – neste blog com pouca repercussão,  mais um entre milhares de desconhecidos - defender a escravidão e o racismo?  E a tortura? De antemão, prefiro que não me digam, por que se trata de um crime, não é mesmo? O pessoal confunde liberdade de expressão com discurso criminoso para que a tortura ou execução sumária seja justificada em cadeia nacional.

As mensagens de ódio na TV aberta e a busca desenfreada de audiência a qualquer preço deveriam ter uma barreira clara: os concessionários se utilizam de um bem público. O espectro telecomunicações e de radiodifusão sonora (sons e imagens), foi expressamente elevado à categoria de bem público pelo artigo 157 da Lei 9.472/97 [03] – atendendo assim as finalidades e interesses públicos, por meio da exploração de tais serviços. Mas na prática, as emissoras utilizam o espectro público para seus interesses privados, inclusive desrespeitando direitos fundamentais à Constituição.

Não à toa, o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro enviou uma nota de repúdio ao comentário da jornalista do SBT; colegas estão abrindo procedimentos no âmbito da classe; professores, associações e entidades estão denunciando ao Ministério Público a conduta da jornalista. Com a proporção elevada da polêmica, o SBT deixou claro que a opinião da apresentadora não reflete a visão da casa. 

O discurso articulado com base nas categorias estereotipadas associadas à oposição do bem contra o mal. O medo e o preconceito como ingrediente para a indignação. É a mistura perfeita para incentivar os "enclaves fortificados", alimentar a segregação e aumentar ainda mais as distâncias dentro de nossa sociedade doente.