segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Sobre a carta aberta ao Brasil escrita por um americano

Temos dificuldade em descrever quem somos como povo até hoje em 2016. Um estrangeiro que observou o Brasil por quatro anos, no entanto, decifrou nossa singularidade de maneira tacanha, nos moldes analista miojo – não precisa ferver a cabeça para sair à encrenca –e é só colocar qualquer tempero para servir de qualquer jeito. Trata-se de um costurado de frases do senso comum misturado a obviedades para justificar que o problema do Brasil é o brasileiro.

Observo muitos colegas compartilhando a tal “carta aberta ao Brasil”. Mark Manson, o autor, identifica por aqui o egoísmo, vaidade (preocupação com aparências em detrimento da produtividade), falta de ética, etc. Para ele, a dificuldade do Brasil reside no comportamento do brasileiro.

A baboseira chega ao ponto de afirmar que somos muito pacíficos e “sem confronto não há progresso”. Trair, mentir e ser corrupto é coisa nossa – fazendo Noel Rosa virar no caixão sobre quais são as verdadeiras “coisas nossas”. No final do texto, Manson ainda faz previsões apocalípticas para nossa economia no melhor estilo mãe Dinah. “Serão dez anos sem oportunidades. Vocês estão ferrados”.

As observações vazias do autor estão diretamente aliadas a sua bola de cristal. Antes de me chamar de ufanista, pense: todas as definições que Manson traz são características de qualquer ser humano em qualquer lugar do mundo. O cara é egoísta, vaidoso, e derrapa na ética aqui, na Mongólia, na Papua Nova Guiné, na Itália, nos Estados Unidos.

Nos conselhos em que se mostra amigo e admirador de nosso país, o missivista diz que nossos problemas não têm origem no Partido dos Trabalhadores.  A afirmação óbvia – quando descolada de paixões partidárias – soa ingênua. Ao dizer que a “democracia não resolveu as dificuldades do Brasil”, Mark ignora ou desconhece que a democracia se trata de um processo e não de um fim em si e que tivemos somente dois períodos de democracia em nossa história. O exercício democrático é uma ginástica praticada todos os dias.

Ainda segundo Mark, a Constituição Federal de 1988 não deu certo. Precisamos de outra carta magna. Caso contrário, nossa economia vai afundar mais no buraco da crise. Olha Mark, rasgar a Constituição é crime e no Brasil sempre foi sinal de golpe. Estranho. A quem interessa jogar no lixo o texto que mais garantiu direitos na história das Constituições brasileiras? Tirar políticas sociais do colo do Estado? Hum, esquisito.  

Mas isso pouco importa para o autor e para quem lê e compartilha um texto - sem pé nem cabeça - que ganha força somente porque a grama do jardim do vizinho é sempre mais bonita. Não sabemos bem quem somos porque estamos unidos pela “cultura do desprezo” que não se faz ver, o que abre espaço para o antigo “complexo vira-lata” e para ideias batidas e reducionistas sobre a complexidade da formação do povo brasileiro. A proliferação do texto de Manson nas redes sociais só aponta para o resultado no placar em cima da arquibancada: 7x1 pra Alemanha.