“Vagabundo”.
A expressão foi dita por uma motorista de um carro enorme, que adoraria ter passado por cima da minha bicicleta.
Pedalava ontem
(30) tranquilamente pela faixa da direita na manhã calma ‘pós-rush’ do bairro
da Vila Olímpia, em São
Paulo , na Rua Casa do Ator, bem na parte da subida, quando
recebo o primeiro aviso com uma sonora buzina. Olhei para trás. A mulher (25 a 30 anos) gesticulou quase buscando na sua bolsa o documento que prova que aquela faixa é
sua propriedade.
Calmamente, como
sempre faço, indiquei com a mão o espaço livre à esquerda. Não adiantou. Aquele
caro pedaço de terra era parte do seu trajeto e ela fazia questão de continuar
reto, ignorando o esforço da minha pedalada na subida sob forte calor. Buzinou
novamente, deixando o barulho soar por alguns segundos - até desistir. Resolveu
ir pela esquerda, passando bem perto de mim com o recado em alto e bom som: “vagabundo”,
retribuído logo a frente no semáforo, ponto de encontro favorito entre um
ciclista e um motorista exaltado, com um belo sorriso, seguido de um “coraçãozinho”,
feito a mão, tão propício para a ocasião. Eu adoro motoristas estressados. Contudo,
fiquei intrigado, pensativo, sobre aquele momento tão rápido, mas que ganha
outras interpretações em uma mente fértil.
Ora, que
significado pode ter “vagabundo”?
Rapidinho, o
professor de língua portuguesa Pasquale Cipro Neto explica com um pequeno passeio pela etimologia da
palavra. Vagabundo: “1) o antepositivo latino "vag-", que, entre
outros significados, carrega o de ‘que se move de um lugar a outro’,
"incerto", etc.; 2) o prefixo latino "-bundo", que carrega
a ideia de "cheio ou rico de", "executor do processo de",
"propenso a" etc.”
Que surpresa. Pela
primeira definição do professor, a motorista está absolutamente correta! A
bicicleta que utilizo como meio de transporte é fundamental no meu dia a dia
para eu me mover de um lugar a outro, apesar de muitas vezes meu caminho ser
incerto. Ao desmontar a
palavra, ainda descubro que sou cheio ou rico de VONTADE DE PEDALAR, poxa!
Entretanto, tudo
depende do tom como se pronuncia a palavra e a mulher pareceu bem ríspida. Ou
ela falou alto por causa do barulho da construção que havia ao lado? De forma
pejorativa, sou vagabundo porque tenho cabelo raspado, ando de bermudão e com
uma magrela velha? Sou vagabundo porque não possuo renda para manter um
automóvel, ou porque não quero aderir a um? Ser vagabundo é não ter registro em carteira, pulando de galho em
galho atrás de um trabalho temporário? Ser vagabundo é “atrapalhar” a fluidez
do trânsito?
Pode passar, querida
motorista. Eu só queria entender sua lógica. A certeza que sou vagabundo eu já
tenho faz tempo.