quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Favela da Funchal é parte legítima do "glamour" da Vila Olímpia

Rua Coliseu - Favela Funchal
Foto: Carolina Garcia - IG
Quando eu era criança no final dos anos 1980, o aviso de minha avó era contundente: “Cuidado na rua e redobre à atenção ao passar próximo da rua Funchal. Era uma advertência curiosa para filha de imigrantes da Ilha da Madeira, local em que está situada a cidade homônima, mas uma preocupação natural, coisa de avó.  

Naquela época toda a criminalidade registrada naquela Vila Olímpia provinciana era injustamente atribuída a favela e caminhar até o supermercado Vilex já rendia uma sacola de conselhos. Dois deles me recordo bem: “Cuidado com assaltos. E vá pela calçada da esquerda, o outro lado é muito perigoso”, dizia a saudosa velhinha. Realmente, o canto direito da estreita rua Gomes de Carvalho não possuía calçada, era praticamente uma continuação da rua - que seguia sentido Marginal, como hoje, mas com estreitamento enorme após a rua Lourenço Marques.

Dividida entre a parte baixa, onde está à rua Funchal, e parte alta, a partir da rua Alvorada, se criaram dois pólos. Falo de uma Vila Olímpia de muitas casas, ruas acanhadas, pequenos comércios, muitos botecos. Falo de um bairro situado entre a Avenida Santo Amaro e a Marginal Pinheiros que no início do século XX nada mais era do que pedaços de terra de propriedades rurais, loteadas nos anos 1930, iniciando um maluco processo de urbanização da área - atualmente desregrado, sem freios. 

Em meados dos anos 1960, a ocupação da parte alta era total. A parte baixa tinha problemas de adesão porque era próxima ao leito do rio Pinheiros. Nesta região alagadiça surgiu uma ocupação de moradores que perdura até 2013 e que pode ser reconhecido como o único elo com a Vila Olímpia do passado.

Você, que trabalha no décimo-vigésimo-quarto-oitavo andar em um monstro envidraçado na rua Funchal,  sabe onde fica?

A comunidade que possuí 250 moradias, “escondida” pelos gigantes no entorno, é mais um grito de resistência diante da especulação imobiliária promovida pelo capital. Do fundo da rua Coliseu,
100 metros à frente, a realidade é bem diferente e a convivência com os vizinhos resiste, permanece como uma "chaga aberta" para os especuladores sangrentos em busca de "carne". 

Imagine que belo estacionamento para o enorme prédio ao lado daria o espaço de 5 mil m². Ou a área poderia se incorporar ao vizinho de trás, o Shopping JK Iguatemi. Como uma ação de responsabilidade social, o terreno até poderia se tornar uma praça para ser uma opção ao movimentado horário de almoço. Para os vizinhos, pouco importa quem mora ali, como vivem, quais são suas histórias. O capital acumulado não vê rostos, pouco se importa com vidas. Mas em um mundo em que raízes profundas são cortadas por quem pode mais, sempre haverá quem olhe pelo outro lado.

Passando pela base comunitária móvel instalada na entrada da favela – para garantir a segurança dos vizinhos e seus visitantes – encontramos a riqueza até então desconhecida para quem tem medo da comunidade – ou nem imagina que ela existe.

Não há fortuna maior do que ter uma Rosa, líder comunitária que freiou as tentativas de remoção da favela, auxiliou na chegada do saneamento básico. Ou José (Pedro Gouveia), 49 anos, catador de papelão “beatlemaníaco” que transforma as paredes da comunidade com sua interpretação das músicas do quarteto de Liverpool. Ou do que ter  Ana (Cecília Vieira), 29 anos, que monitora a sede de ensino da favela.

Diante das promessas de reurbanização da prefeitura, Rosa, Zé, Ana, e tantos outros aguardam o “reconhecimento de sua existência no bairro”. A favela consta no Plano Municipal de Habitação (PMH), previsto para ser executado entre 2017 e 2020 e é sim parte legítima do “glamour” da Vila Olímpia. É bom que os empresários/especuladores saibam disso.

Do desconhecimento da rua que nasce o preconceito, o caminho para a segregação. De peito aberto, auto estima lá em cima, o morador da rua Coliseu só pode sentir orgulho de ser profundo conhecedor do novo bairro e de uma Vila Olímpia que não existe mais.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Fui chafurdar no lixo e encontrei as "vendas" da justiça

Passando pela lama espessa fui chafurdar no lixo e em meio a resíduos e maus cheiros encontrei a venda dos olhos da “justiça”, deformada e escondida em um canto sombrio.  A escultura homônima em frente à alta corte, há algum tempo, tudo vê.

Agora, surge a preocupação de ser submetido a um olhar parcial, desbalanceado, que delibera acatando a pressão popular, utilizando para seguir esses anseios, uma teoria que prega suposições e “achismos”, ferindo gravemente o Estado Democrático de Direito.

Atualmente, a livre expressão do contraditório, da divergência, também não é mais bem vista. Ora, desconsiderar um argumento de defesa é válido. Não apreciá-lo, discuti-lo, deformá-lo, no entanto, revela que o ponto de vista dos réus não interessa quando se têm cartas marcadas. Não é defender os acusados, mas garantir equidade na balança.


O sumiço da faixa nos olhos da “justiça” inquieta e remete a pergunta que não quer calar: de quem é a verdadeira chicana?  A tramoia que manobra exceções escolhidas a dedo, vai percorrer a esteira da história e, lá na frente, longe das paixões momentâneas, vamos analisar com calma este período onde se tem o domínio do fato.    

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Quanto vale a fidelidade da base?

Fidelidade é a palavra chave para o Governo no momento. A lealdade da base parlamentar para cumprir a agenda do Executivo já não caminhava bem antes das manifestações de junho. Vimos que após os gritos das ruas, a popularidade da presidente Dilma Rouseff (PT) desceu a ladeira, e o cenário piorou. Fechou de vez. Onde pode respingar em si, o sujeito corre. E pra bem longe. É a lógica simples de 2014, que deve surgir em néon na mente dos parlamentares: onde a ventania do povo bater, ele estará lá, ouvindo a massa, rejeitando projetos impopulares junto à seus pares. 

O novo sistema definido pelo Congresso de apreciar os vetos presidenciais de qualquer maneira - mesmo que tranquem a pauta - esquentou o clima de vez e provocou reação imediata. A primeira investida não causou muito impacto. Dilma autorizou a liberação de R$ 2 bilhões em emendas feitas por deputados e senadores vindos do orçamento da União. O dinheiro sempre serviu como “moeda de troca”, mas há alguns meses caciques exigem que o valor seja fixo, acabando com os acordos republicanos em nome da governabilidade. O dinheiro referente às emendas é utilizado pelos parlamentares em seus redutos, ajudando os municípios ou regiões. 

Foi pouco.

O projeto do orçamento impositivo, que obriga o Executivo a liberar recursos para as emendas parlamentares deve ir amanhã (7) ao plenário e pode azedar a relação de vez. De olho no retorno da obediência, Dilma convocou reunião hoje (6) com os líderes das bancadas onde admitiu as falhas na interlocução entre os poderes, sem culpar a Ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti – muito criticada pelos parlamentares - faz tempo. De seu perfil “gerentona”, Dilma prometeu mais diálogo com a base, e marcou novo encontro com os parlamentares no dia 12. A preocupação é válida. 

Na lista de vetos com risco de caírem está o que impediu o fim da multa adicional de 10% sobre o saldo das contas de FGTS na demissão sem justa causa de trabalhadores; a medida provisória do programa - “Mais Médicos”; e a proposta que destina os recursos  dos royalties do petróleo para educação e saúde. O Planalto quer que a receita seja direcionada totalmente a área da educação. Além disso, votações de projetos que desagradam o governo podem perder a direção.

A fidelidade da base vale muito. Significa recuperar o rumo da governabilidade. Tarefa dura depois de estremecer uma relação que não é boa desde que Dilma subiu a rampa do Planalto.