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Rua Coliseu - Favela Funchal Foto: Carolina Garcia - IG |
Quando eu era
criança no final dos anos 1980, o aviso de minha avó era contundente: “Cuidado
na rua e redobre à atenção ao passar próximo da rua Funchal. Era uma advertência
curiosa para filha de imigrantes da Ilha da Madeira, local em que está situada
a cidade homônima, mas uma preocupação natural, coisa de avó.
Naquela época toda a criminalidade registrada naquela Vila Olímpia provinciana era injustamente atribuída a favela e caminhar até o supermercado Vilex já rendia uma sacola de conselhos. Dois deles me recordo bem: “Cuidado com assaltos. E vá pela calçada da esquerda, o outro lado é muito perigoso”, dizia a saudosa velhinha. Realmente, o canto direito da estreita rua Gomes de Carvalho não possuía calçada, era praticamente uma continuação da rua - que seguia sentido Marginal, como hoje, mas com estreitamento enorme após a rua Lourenço Marques.
Dividida entre a
parte baixa, onde está à rua Funchal, e parte alta, a partir da rua Alvorada, se
criaram dois pólos. Falo de uma Vila Olímpia de muitas casas, ruas acanhadas,
pequenos comércios, muitos botecos. Falo de um
bairro situado entre a Avenida Santo Amaro e a Marginal Pinheiros que no início
do século XX nada mais era do que pedaços de terra de propriedades rurais, loteadas
nos anos 1930, iniciando um maluco processo de urbanização da área - atualmente desregrado, sem freios.
Em meados dos anos
Você, que trabalha no décimo-vigésimo-quarto-oitavo andar em um monstro envidraçado na rua Funchal, sabe onde fica?
A comunidade que possuí 250 moradias, “escondida” pelos gigantes no entorno, é mais um grito de resistência diante da especulação imobiliária promovida pelo capital. Do fundo da rua Coliseu,
Imagine que belo estacionamento para o enorme prédio ao lado daria o espaço de 5 mil m². Ou a área poderia se incorporar ao vizinho de trás, o Shopping JK Iguatemi. Como uma ação de responsabilidade social, o terreno até poderia se tornar uma praça para ser uma opção ao movimentado horário de almoço. Para os vizinhos, pouco importa quem mora ali, como vivem, quais são suas histórias. O capital acumulado não vê rostos, pouco se importa com vidas. Mas em um mundo em que raízes profundas são cortadas por quem pode mais, sempre haverá quem olhe pelo outro lado.
Passando pela base comunitária móvel instalada na entrada da favela – para garantir a segurança dos vizinhos e seus visitantes – encontramos a riqueza até então desconhecida para quem tem medo da comunidade – ou nem imagina que ela existe.
Não há fortuna maior do que ter uma Rosa, líder comunitária que freiou as tentativas
de remoção da favela, auxiliou na chegada do saneamento básico. Ou José (Pedro
Gouveia), 49 anos, catador de papelão “beatlemaníaco” que transforma as paredes
da comunidade com sua interpretação das músicas do quarteto de Liverpool. Ou do
que ter Ana (Cecília Vieira), 29 anos,
que monitora a sede de ensino da favela.
Diante das promessas
de reurbanização da prefeitura, Rosa, Zé, Ana, e tantos outros aguardam o “reconhecimento
de sua existência no bairro”. A favela consta no Plano Municipal de Habitação
(PMH), previsto para ser executado entre 2017 e 2020 e é sim parte legítima do “glamour”
da Vila Olímpia. É bom que os empresários/especuladores saibam disso.Do desconhecimento da rua que nasce o preconceito, o caminho para a segregação. De peito aberto, auto estima lá em cima, o morador da rua Coliseu só pode sentir orgulho de ser profundo conhecedor do novo bairro e de uma Vila Olímpia que não existe mais.